I – ORIGEM
O bem de família é um instituto originado nos
Estados Unidos, hoje é concebido na grande maioria das legislações, com
modificações que procuram adaptá-lo às necessidades de cada país.
No Brasil, o instituto foi concebido sob duas
formas: bem de família voluntário ou convencional e bem de família legal. Tais
categorias não se confundem quanto ao seu tratamento dispensado pelo ordenamento
jurídico brasileiro, de acordo com o que passamos a analisar:
-
BEM DE FAMÍLIA LEGAL
O bem de família legal foi regulamentado pela Lei
8.009/1990, que traz regras voltadas a sua efetivação, prevendo em seu art. 1º,
caput:
“Art. 1º O
imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e
não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou
filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses
previstas nesta lei.”
Além disso, em consonância com essa vertente de
garantia do direito constitucional à moradia proporcionada pelo bem de família
legal, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 364, que enuncia:
“O conceito
de impenhorabilidade do bem de família abrange também o imóvel pertencente a
pessoas solteiras, separadas e viúvas.”
Ademais, devido à exigência prevista no art. 5º
da Lei 8.009/1990, de que apenas se insere na proteção dispensada ao instituto
do bem de família legal, o imóvel utilizado efetivamente para moradia permanente
dos cônjuges ou da entidade familiar, emergiu divergência jurisprudencial
quanto à extensão de sua impenhorabilidade ao único imóvel da família que
estivesse locado a terceiros. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça,
recentemente, firmou entendimento sobre a questão, editando a Súmula nº 486, in
verbis:
“É
impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a
terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a
subsistência ou a moradia da sua família.”
Dessa forma, diante da relevância do instituto
para manutenção e proteção da família e da pessoa humana, as exceções quanto à
impenhorabilidade do bem de família legal mencionadas pelo art. 1º,
caput, estão previstas, taxativamente, no art. 3º da Lei 8.009/1990:
“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em
qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de
outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da
própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do
financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos
créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III -- pelo credor de pensão alimentícia;
III – pelo credor de pensão alimentícia, resguardados
os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre
união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão
pela dívida;
IV - para cobrança de impostos, predial ou
territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel
oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime
ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou
perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança
concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)"
O inciso I foi expressamente revogado, por
completo, pela Lei Complementar 150/15, do contrato de trabalho doméstico. Tornando-se
assim, o imóvel habitado pelo devedor, ou sua família, absolutamente
impenhorável por dívidas oriundas de créditos de trabalhadores da própria
residência e das respectivas contribuições previdenciárias, equiparando os
empregados domésticos a outros de diversas categorias econômicas, não mais
permitindo que o empregado doméstico, em sede de execução trabalhista, ingresse
no patrimônio do empregador devedor para promover a excussão do único bem
imóvel.
No pertinente ao inciso IV do artigo sob análise,
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se posiciona no sentido que as
contribuições referentes aos imóveis incluem as dívidas decorrentes do
condomínio, pois se tratam de espécies de obrigações propter rem ou
ambulatórias (obrigações que se originem da própria coisa).
Ademais, o último ponto que merece observação
relativamente às exceções à impenhorabilidade do bem de família legal,
corresponde ao inciso VII, inserido pela Lei 8.245/91, que ressalva da
respectiva proteção à obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de
locação de imóvel urbano. Tal disposição foi objeto de divergência doutrinária
e jurisprudencial no que tange a sua constitucionalidade, na medida em que a fiança
por ser contrato acessório não poderia trazer mais obrigações que o contrato
principal, pois o locatário, obrigado principal, não se sujeita à perda do
imóvel, ao contrário do fiador. Porém, o Supremo Tribunal Federal julgou,
definitivamente, a questão em 08 de fevereiro de 2006, posicionando-se por sua
constitucionalidade.
-
BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO OU CONVENCIONAL
O atual Código Civil
dispõe sobre o bem de família voluntário nos artigos 1.711 a 1722,
estabelecendo:
“Art. 1.711. Podem os
cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento,
destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não
ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição,
mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida
em lei especial.”
O objeto do bem de família é um imóvel, um
prédio, rural ou urbano, que a família ou entidade familiar destina
necessariamente ao seu domicílio.
A sua instituição é uma forma de tornar o bem uma
coisa fora do comércio, atribuindo-lhe a característica da inalienabilidade e
da impenhorabilidade, buscando preservar o núcleo familiar, mediante
procedimento em que são combinadas a vontade da lei e a vontade dos
instituidores. Neste diapasão, o bem de família fica isento das dívidas
posteriores a sua instituição, com exceção das oriundas dos tributos relativos
ao próprio imóvel ou às despesas de condomínio.
Dessa forma, o bem de família convencional não
pode ser constituído em prejuízo aos credores existentes à época do ato de
instituição, perdurando enquanto viver um dos cônjuges, ou na falta destes, até
que seus filhos completem a maioridade. No entanto, vale ressaltar, a
extinção do bem de família voluntário não afasta a impenhorabilidade prevista na
Lei 8.009/1990.
O Estatuto Civil de 2002, no artigo 1.712, com o
objetivo de fortalecer o instituto, deu maior amplitude a seu conceito
estabelecendo que o bem de família consistirá “em prédio residencial urbano ou
rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a
domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será
aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.”
Configurando novidade, pelo art. 1.713 do diploma
civilista, tais valores mobiliários não poderão exceder o valor do prédio
instituído em bem de família, em razão de sua natureza acessória, devendo estar
individualizados no instrumento que formaliza sua instituição.
Além disso, o bem de família, conforme dicção do
artigo 1.711 do Código Civil, transcrito acima, deverá ser formalizado por
escritura pública ou testamento, considerando-se constituído a partir do
registro do respectivo título no Registro de Imóveis.
Assim, o procedimento para a instituição do bem
de família vem disciplinado pelos artigos 260 a 265 da Lei dos Registros
Públicos (Lei nº 6.015/1973). No entanto, o referido diploma legal só
disciplinou a instituição por meio de escritura pública, permanecendo carente
de regulamentação sua constituição por testamento.
Nesse passo, o instituidor apresentará ao oficial
de registro de imóveis competente a escritura do imóvel, para que seja
publicada na imprensa local ou, em sua falta, na Capital do Estado ou
Território, de acordo com previsto no art. 261 da Lei 6.015/1973. A finalidade dessa
publicidade é dar oportunidade aos possíveis credores de dívidas existentes de
apresentarem oposição a sua instituição.
Não existindo razão para dúvida do oficial, será
feita a publicação na forma do art. 262 da Lei 6.015/1973, in verbis:
“Se não ocorrer
razão para dúvida, o oficial fará a publicação, em forma de edital, do qual
constará:
I - o resumo da
escritura, nome, naturalidade e profissão do instituidor, data do instrumento e
nome do tabelião que o fez, situação e característicos do prédio;
II - o aviso de
que, se alguém se julgar prejudicado, deverá, dentro em trinta (30) dias,
contados da data da publicação, reclamar contra a instituição, por escrito e
perante o oficial.”
Ultimado o prazo de 30 dias sem apresentação de
reclamação, o oficial transcreverá integralmente a escritura no Livro nº 3 e
fará a inscrição na competente matrícula, arquivando um exemplar do jornal da
publicação e restituindo o instrumento ao apresentante, com a nota da
inscrição.
LEANDRA SOARES
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