segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

PROTEÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO

I – ORIGEM
O bem de família é um instituto originado nos Estados Unidos, hoje é concebido na grande maioria das legislações, com modificações que procuram adaptá-lo às necessidades de cada país. 
No Brasil, o instituto foi concebido sob duas formas: bem de família voluntário ou convencional e bem de família legal. Tais categorias não se confundem quanto ao seu tratamento dispensado pelo ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com o que passamos a analisar:

- BEM DE FAMÍLIA LEGAL
O bem de família legal foi regulamentado pela Lei 8.009/1990, que traz regras voltadas a sua efetivação, prevendo em seu art. 1º, caput:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”
Além disso, em consonância com essa vertente de garantia do direito constitucional à moradia proporcionada pelo bem de família legal, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 364, que enuncia:
“O conceito de impenhorabilidade do bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”
Ademais, devido à exigência prevista no art. 5º da Lei 8.009/1990, de que apenas se insere na proteção dispensada ao instituto do bem de família legal, o imóvel utilizado efetivamente para moradia permanente dos cônjuges ou da entidade familiar,  emergiu divergência jurisprudencial quanto à extensão de sua impenhorabilidade ao único imóvel da família que estivesse locado a terceiros. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, firmou entendimento sobre a questão, editando a Súmula nº 486, in verbis:
“É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.”
Dessa forma, diante da relevância do instituto para manutenção e proteção da família e da pessoa humana, as exceções quanto à impenhorabilidade do bem de família legal mencionadas pelo art. 1º, caput,  estão  previstas, taxativamente, no art. 3º da Lei 8.009/1990:
“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III -- pelo credor de pensão alimentícia;
III – pelo credor de pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;      
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)"
O inciso I foi expressamente revogado, por completo, pela Lei Complementar 150/15, do contrato de trabalho doméstico. Tornando-se assim, o imóvel habitado pelo devedor, ou sua família, absolutamente impenhorável por dívidas oriundas de créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias, equiparando os empregados domésticos a outros de diversas categorias econômicas, não mais permitindo que o empregado doméstico, em sede de execução trabalhista, ingresse no patrimônio do empregador devedor para promover a excussão do único bem imóvel. 
No pertinente ao inciso IV do artigo sob análise, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se posiciona no sentido que as contribuições referentes aos imóveis incluem as dívidas decorrentes do condomínio, pois se tratam de espécies de obrigações propter rem ou ambulatórias (obrigações que se originem da própria coisa).
Ademais, o último ponto que merece observação relativamente às exceções à impenhorabilidade do bem de família legal, corresponde ao inciso VII, inserido pela Lei 8.245/91, que ressalva da respectiva proteção à obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação de imóvel urbano. Tal disposição foi objeto de divergência doutrinária e jurisprudencial no que tange a sua constitucionalidade, na medida em que a fiança por ser contrato acessório não poderia trazer mais obrigações que o contrato principal, pois o locatário, obrigado principal, não se sujeita à perda do imóvel, ao contrário do fiador. Porém, o Supremo Tribunal Federal julgou, definitivamente, a questão em 08 de fevereiro de 2006, posicionando-se por sua constitucionalidade.

- BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO OU CONVENCIONAL
            O atual Código Civil dispõe sobre o bem de família voluntário nos artigos 1.711 a 1722, estabelecendo:

“Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.”
O objeto do bem de família é um imóvel, um prédio, rural ou urbano, que a família ou entidade familiar destina necessariamente ao seu domicílio.
A sua instituição é uma forma de tornar o bem uma coisa fora do comércio, atribuindo-lhe a característica da inalienabilidade e da impenhorabilidade, buscando preservar o núcleo familiar, mediante procedimento em que são combinadas a vontade da lei e a vontade dos instituidores. Neste diapasão, o bem de família fica isento das dívidas posteriores a sua instituição, com exceção das oriundas dos tributos relativos ao próprio imóvel ou às despesas de condomínio.
Dessa forma, o bem de família convencional não pode ser constituído em prejuízo aos credores existentes à época do ato de instituição, perdurando enquanto viver um dos cônjuges, ou na falta destes, até que seus filhos completem a maioridade. No entanto, vale ressaltar, a  extinção do bem de família voluntário não afasta a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990.
O Estatuto Civil de 2002, no artigo 1.712, com o objetivo de fortalecer o instituto, deu maior amplitude a seu conceito estabelecendo que o bem de família consistirá “em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.”
Configurando novidade, pelo art. 1.713 do diploma civilista, tais valores mobiliários não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, em razão de sua natureza acessória, devendo estar individualizados no instrumento que formaliza sua instituição.
Além disso, o bem de família, conforme dicção do artigo 1.711 do Código Civil, transcrito acima, deverá ser formalizado por escritura pública ou testamento, considerando-se constituído a partir do registro do respectivo título no Registro de Imóveis.
Assim, o procedimento para a instituição do bem de família vem disciplinado pelos artigos 260 a 265 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973). No entanto, o referido diploma legal só disciplinou a instituição por meio de escritura pública, permanecendo carente de regulamentação sua constituição por testamento.
Nesse passo, o instituidor apresentará ao oficial de registro de imóveis competente a escritura do imóvel, para que seja publicada na imprensa local ou, em sua falta, na Capital do Estado ou Território, de acordo com previsto no art. 261 da Lei 6.015/1973. A finalidade dessa publicidade é dar oportunidade aos possíveis credores de dívidas existentes de apresentarem oposição a sua instituição.
Não existindo razão para dúvida do oficial, será feita a publicação na forma do art. 262 da Lei 6.015/1973, in verbis:
“Se não ocorrer razão para dúvida, o oficial fará a publicação, em forma de edital, do qual constará:
I - o resumo da escritura, nome, naturalidade e profissão do instituidor, data do instrumento e nome do tabelião que o fez, situação e característicos do prédio;
II - o aviso de que, se alguém se julgar prejudicado, deverá, dentro em trinta (30) dias, contados da data da publicação, reclamar contra a instituição, por escrito e perante o oficial.”
Ultimado o prazo de 30 dias sem apresentação de reclamação, o oficial transcreverá integralmente a escritura no Livro nº 3 e fará a inscrição na competente matrícula, arquivando um exemplar do jornal da publicação e restituindo o instrumento ao apresentante, com a nota da inscrição.

LEANDRA SOARES








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