segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

GUARDA COMPARTILHADA

Sem dúvida alguma, o que mais rege as relações do ser humano é o afeto. Quando duas pessoas se apaixonam e resolvem viver juntas não pensam em qualquer coisa que não seja esse sentimento. Ocorre que nem toda relação é duradoura, e com o término dela começam a surgir problemas que não haviam sido pensados anteriormente, quando tudo eram flores.
Dentre as questões a serem resolvidos com uma separação, à guarda dos filhos é a mais complexa. Se antes era natural que o pai saísse de casa, provesse a família financeiramente com o pagamento de pensão alimentícia e a mãe permanecesse no lar com a guarda dos filhos, hoje isso é exceção.
Antes de adentrar o conceito de guarda compartilhada, é importante entender a forma de guarda unilateral.
O Código Civil anterior ao de 2002 era totalmente patriarcal, ou seja, o homem era o pilar da família e por ele eram tomadas todas as decisões. Dessa forma, a mulher cabia à tarefa de cuidar do lar e dos filhos. Assim, quando se separavam, era quase automático que a guarda permanecesse com a mãe.
Essa forma de guarda pode ser consensual ou litigiosa, podendo ser de um dos genitores ou de alguém que o substitua (art.1583,§1, CC/02). Quando um dos genitores, normalmente o pai, sai de casa e deixa os filhos com a mãe, garante a ela a guarda de fato, mas a de direito precisa de respaldo da justiça. Discute o assunto Belmiro Pedro Welter:

a guarda unilateral não garante o desenvolvimento da criança e não confere aos pais o direito da igualdade no âmbito pessoal, familiar e social, pois quem não detém a guarda, recebe um tratamento meramente coadjuvante no processo de desenvolvimento dos filhos (WELTER, 2009, P.56)

O genitor que não possuir a guarda do menor deverá supervisionar seus interesses, além de ter direito a visitação. Sobre o direito de visitas Waldyr Grisardo Filho diz:

Diante de uma desunião, a finalidade desse instituto é a manutenção de uma natural e adequada comunicação do filho com o pai ou mãe com quem não convive, para fomentar e consolidar os vínculos paterno ou materno-filiais, encurtando, quanto possível, o contato que existiria no seio da família unida. A pendência desses processos deve repercutir minimamente sobre os filhos mediante o regime de visita pretende-se, de certa maneira mitigar a necessidade de convivência dos filhos com seus pais quando estão sob a guarda de um só destes (GRISARDO, op. cit., p. 106-7).

A discussão nesse ponto gira em torno de que somente períodos estipulados de visitação não seriam suficientes para suprir as necessidades do menor. A partir desse ponto, começou-se a discutir como diminuir necessidades e sofrimentos dos filhos com a separação. Doutrinadores já encontravam no compartilhamento de guarda uma solução, que foi adotada por tribunais e posteriormente virou lei.
Para uma melhor compreensão de como se chegou à guarda compartilhada, é necessária uma visão desde o advento do Novo Código, que tentou extinguir o poder do patriarca, apesar de a sociedade ainda trazer resquícios desse molde de vida. Começa-se então a introduzir a figura do pai não apenas no campo financeiro dos filhos, mas também na área afetiva.
A guarda compartilhada começou a ser utilizada primeiramente pelos tribunais, sem que houvesse ainda uma lei especifica para ela. Alguns tribunais gaúchos foram pioneiros nessas decisões.  Porém, foi com a Lei 11.698/2008 que o instituto da guarda compartilhada foi regulamentado. A lição de Maria Berenice Dias traz que:

Mesmo antes de inserido de forma expressa na legislação, o modelo compartilhado não era proibido, sendo amplamente aplaudido pela doutrina e admitido por alguns juízes. Além disso, as disposições legais que tratam do bem-estar do menor e da igualdade dos genitores traduzem parecer favorável a esse modo de exercício. Conforme dispõe o Código Civil, no art. 1.634, dentre os deveres e direitos relacionados ao exercício do poder familiar, são atribuídos a ambos os pais o de dirigir a criação e a educação dos filhos e o de tê-los em sua companhia e guarda. A separação judicial, o divorcio e a dissolução da união estável, não alteram as relações entre os pais e filhos, como diz o CC, art. 1.632 (DIAS, 2010, p.437).


Após a mencionada lei, a guarda compartilhada passa a ser regra, ainda que o casal se encontre em litígio. Entretanto, deve sempre ser levado em conta o bem estar do menor.
Com a separação vêm também às frustrações com o relacionamento, que muitas vezes se arrastam por anos, mas esse sentimento não pode ser levado em conta no processo de guarda dos filhos, pois é a felicidade e o menor impacto na vida das crianças que devem ser priorizados. Outro ponto importante a ser mencionado é o da responsabilidade civil, que se antes era do genitor que detinha a guarda, agora passa a ser de ambos.
A guarda compartilhada não desobriga a fixação de alimentos, Maria Berenice Dias aborda o assunto, apontando que nem sempre os genitores possuem condições financeiras iguais, além de muitas vezes mesmo compartilhando a guarda, o filho acabe vivendo apenas na casa de um dos pais, o que  faz necessário o pagamento de alimentos (DIAS, 2010, p.438).
A guarda compartilhada jamais deverá ser confundida com a alternada, que nem mesmo é utilizada no ordenamento jurídico brasileiro. Essa forma de guarda se caracteriza por uma divisão e não um compartilhamento, pois nessa modalidade o filho vive metade do tempo com a mãe, metade com o pai, e os genitores tomam decisões de forma isolada. Silva aborda o tema da seguinte forma:

Caracteriza-se pelo exercício da guarda, alternadamente, segundo um período de tempo pré-determinado, que pode ser anual, semestral, mensal, ou mesmo repartição organizada dia a dia, sendo que, no período em que a criança estiver com aquele genitor, as responsabilidades, decisões e atitudes caberão exclusivamente a este. [...] esta situação força a criança a ficar sob o comando e educação de apenas um dos genitores durante determinado período, sendo ao término desse período da criança terá que sujeitar e adaptar à educação do outro genitor. (Silva, 2011, p. 127-128)

Um aspecto importante que deve ser observado com a guarda compartilhada é como fica o psicológico desse menor. É gritante o fato de que com a separação, os filhos são os que mais sofrem, por ser o elo mais frágil da família. Na guarda unilateral sofriam com a saída de um dos genitores de casa, em geral o pai, que acabava por se distanciar afetivamente da prole. Evandro Silva comenta:

É crescente o número de pais separados e filhos que chegam ao consultório, quer para orientações ou para tratamento, quer por determinação judicial, para se submeterem a uma perícia psicológica. 34 Nos primeiros casos, normalmente os filhos estão apresentando alguns sintomas, que equivocadamente, são atribuídos à separação do casal. Equivocadamente, porque aqueles sintomas não guardam relação com a separação, mas sim, com a falta que faz o progenitor ausente, [...].É crescente o número de pais separados e filhos que chegam ao consultório, quer para orientações ou para tratamento, quer por determinação judicial, para se submeterem a uma perícia psicológica. 34 Nos primeiros casos, normalmente os filhos estão apresentando alguns sintomas, que equivocadamente, são atribuídos à separação do casal. Equivocadamente, porque aqueles sintomas não guardam relação com a separação, mas sim, com a falta que faz o progenitor ausente, [...]. (SILVA, 2005, p.14).


SILVA (op. Cit., p. 15) aponta ainda os casos recorrentes nos consultórios:

No âmbito do consultório, quando da avaliação ou do atendimento a crianças filhas de pais separados, nota-se a presença de sintomas que tiveram origem na separação dos pais. Na sua grande maioria, os sintomas apresentados são: dificuldades cognitivas, ansiedade, agressividade e depressão. No entanto, verifica-se que esses sintomas têm relação com a falta que faz um dos pais e não com o distrato do casamento. Nas fantasias dessas crianças, o progenitor ausente abandonou-as. Também observa-se que o afastamento das crianças de um dos pais, decorre das desavenças conjugais e do consequente 35 estabelecimento da guarda que não atende às necessidades dos envolvidos.


Observa-se que as doenças de cunho emocional se apresentam fortemente em filhos de pais separados. A guarda compartilhada tende a diminuir essas ocorrências também, pois cobra a participação de ambos os genitores nas decisões, convivência e afetividade do menor. Contudo, é importante que os pais deixem de lado suas desavenças e se foquem apenas no que é melhor para os filhos, lembrando-se sempre que a separação ocorre entre um casal e nunca entre pai e mãe. Importante observar que a guarda compartilhada é também usada nos casos de dissolução de união estável ou mesmo quando os genitores sequer chegaram a manter uma relação.

Infelizmente mesmo com a guarda compartilhada e tantos outros esforços que visam minimizar os danos aos filhos, existe um instituto que vem crescendo cada vez mais, qual seja, o da alienação parental. Como dito anteriormente, com a separação vem sentimentos negativos como fracasso, raiva, e é nesse ponto que entram os filhos, que muitas vezes são usados como espécie de arma entre os cônjuges. A alienação parental ocorre quando o alienador, que pode ser o pai ou a mãe, imputa falsas acusações ao outro genitor, criando falsas memórias na criança e a afastando do outro, fazendo, inclusive, com que se sinta culpada por ama-lo. O tema é tratado por Priscila Maria Corrêa da Fonseca:

(...) é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custodia. A síndrome da alienação parental, por seu turno, diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais de quem padecer a criança vítima daquele alijamento (FONSECA, 2006).


A criança vitima da alienação parental pode vir a sofrer com doenças como depressão, ansiedade, dentre outras. Trata-se de uma forma cruel de manipulação e afastamento que deve ser combatida pela justiça e sociedade.

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